Compartilhando o significado de ter um carro antigo... ou mais de um!

quinta-feira, 12 de março de 2015

Frank, o Wartburg 353.

E matando a curiosidade de quem lê este blog, o carro é o que seria considerado o "carro médio da classe trabalhadora de sucesso" no Leste Europeu dos anos 70 - trata-se de um Wartburg 353 ano 1972, com suas "curvas nada curvas" desenhadas aparentemente com as réguas dos engenheiros alemães orientais, com apenas 38000 Km rodados, e que "morou" na então Tchecoslováquia até 2014. Após a queda do Muro de Berlim, muitos dos Trabant e Wartburg foram vendidos muito barato ou mesmo sucateados, rareando-os nas ruas e de uns três anos para cá, causando um aumento significativo de preço deles. Ainda dá para comprá-los por preços razoáveis, mas é de se pensar que há cinco anos, comprava-se um Wartburg decente por 500 Euros, e um Trabant para restaurar por módicos 50 Euros...

O Wartburg é um carro certamente incomum nos dias de hoje, mesmo aqui na Alemanha, e que se não é propriamente um carro bonito, ele compensa esta falta com a abundância em soluções interessantes e pouco convencionais comparadas aos veículos ocidentais da mesma época. Uma delas é a de usar o mesmo conjunto mecânico que era utilizado nos DKW antes da II Guerra Mundial - motor 3 cilindros, 1000 cm3 2 tempos, câmbio manual de 4 marchas acionado na coluna, e tração dianteira. Esse conjunto é muito parecidos com os dos DKW-Vemag que tivemos no Brasil, e tem um ronco de motor bem característico dos motores 2 tempos, junto com a fumaça azul que sai pelo escapamento, com a queima do óleo lubrificante misturado à gasolina. Como os recursos eram escassos na Alemanha Oriental, não dava para ficar desenvolvendo novos motores para o mercado - até mesmo porque não existia concorrência, o que era fabricado tinha uma fila de espera de 15 a 18 anos (isso mesmo, ANOS), então ninguém ia deixar de comprar um Wartburg para comprar outro carro da mesma classe. O "Frank", abreviação de "Frankenburger", nome  que meu irmão batizou este Wartburg, é um modelo de exportação para o Oeste Europeu, com acabamento melhorado, peças de melhor qualidade (selecionadas nas fábricas de autopeças) e algumas diferenças em relação aos fabricados para "mercado local". Sim, ele era exportado para vários mercados, e chegou a fazer um certo sucesso na Grécia, Chipre, Reino Unido e Finlândia com sua relação custo x benefício, economia de combustível e amplo espaço interno - ainda que o estilo dele pareça uma cópia chinesa de um um DKW Fissore brasileiro. Enfim, um carro eficiente dentro de suas limitações técnicas, e que atendia ao que lhe era proposto.

Falando sobre o Frank, o Wartburg Tcheco, eu estava procurando por um Trabant no Ebay, e de tanto procurar e não achar nenhum que me encantasse dentro do orçamento proposto, vi o anúncio de outros carros fabricados "do outro lado da cortina de ferro" e apareceu o anúncio dele. As fotos pareceram bacanas, a descrição também, e o preço era condizente. Marquei encontro com o proprietário, e combinamos de ver o carro no sábado seguinte. Minha surpresa foi não só ver um carro, mas uma reunião de mais de 50 Trabants, em diversos estados, cujo proprietário do local tinha para compra e venda (nota: ele afirmou já ter vendido Trabants para muitos países europeus, e também para os EUA, explicando o preço deles ultimamente); depois de acompanhar sem entender quase nada um papo em alemão solto entre o vendedor, o dono do local, e um amigo que foi comigo ver o carro, fomos ao galpão onde ele estava guardado. E apesar de uns amassados resultantes de uma de chuva de granizo, o carro realmente estava como descrito, sem nenhuma ressalva. Depois de duas tentativas o motor ligou e não apresentou nenhum barulho anormal... e então, negócio fechado! Saí à caça da transferência para o meu nome e da confecção de placas, de uma garagem para guardá-lo e depois de um mês, lá fui eu buscá-lo a 110 Km de Berlim.

Sábado passado, Adriana e eu acordamos cedo e seguimos até a pequena cidade de Babitz para buscar o Frank até seu novo lar. E depois de uma longa, detalhada e pouco inteligível explicação sobre o funcionamento do carro pelo simpático proprietário do lugar onde ele estava guardado (o "Sr Trabant"), fomos ao posto e seguimos pela estrada. O carro foi muito bem, sem anormalidades, com ar quente funcionando de maneira muito eficiente, e mantendo uma média de 100 Km/h, chegando a 120 Km/h em alguns momentos. Nada mal para um carro que ficou parado por tanto tempo e cujo motor não conseguiu nem "se esticar" direito. Chegamos sãos e salvos, ainda que sem estepe e descobrindo que o rádio não desliga, está tudo ótimo com ele. A lista de coisas a fazer nele é tão pequena que acho que bem rapidamente ele estará 100% pronto para viajar e circular por aí. Para um dia completar a lista (um dia...), pretendo comprar um Opel Rekord C, que é o "pai do Opala" e carro equivalente a ele na Alemanha Ocidental. Mas isso são planos para um futuro um pouco distannte. Enquanto isso, vamos curtir o novo membro da coleção, e primeiro desde que estou aqui em Berlim. Vejam abaixo mais fotos dele.
Frank num momento fora da lei, posando para foto do anúncio do Ebay.
Chuva de granizo, que deixou marcas na fuselagem.
Capa de revista alemã oriental "Der Deutsches Strasser Verkehr" ("O trânsito das ruas alemãs"), com um irmão do Frank. A foto com o capô aberto é propaganda pouco positiva.
Um mar de Trabant, de todos os anos, condições, gostos e bolsos.
Frank no galpão, ainda com as placas do antigo proprietário.
Mais uma do Frank, no mesmo galpão.

Frank na estrada, na média de 100 Km/h. Notem o painel completíssimo dele, com velocímetro, termômetro e marcador de nível de combustível (que aliás, não funciona).
Eu e Frank, numa parada estratégica para uma foto.




terça-feira, 10 de março de 2015

Carros antigos no cotidiano de Berlim

Berlim é uma cidade muito diferente das demais que já estive até hoje, em vários aspectos. Desde ter sido quase toda destruída na II guerra, depois dividida entre os aliados e ter tido um muro rachando uma nação - como muitos dizem aqui, o "Muro da Vergonha" - ao fato de ter aprendido a conviver com esse passado e mudar valores, conceitos e seguir em frente. Há muitos estrangeiros aqui, a cultura borbulha (principalmente a cultura pop)e curiosamente, a capital da maior potência europeia tem ritmo de cidade média no Brasil. 

E uma das coisas que mais representa essa cultura pop é a frequência em que carros e motos antigos aparecem no trânsito. Quem quiser, não precisa ter carro em Berlim em virtude do transporte público funcionar lindamente e também porque usar carro pode ser um transtorno - as vagas nas ruas são geralmente pagas, há poucos estacionamentos e com tudo perto, às vezes ter carro é mesmo uma chateação. Mas como há muitos que precisam ou não abrem mão de ter carro, uma boa parte usa um carro antigo para locomoção diária ou aos finais de semana - e com isso os "oldtimers" (como são chamados aqui) acabam dando o ar da graça pela cidade e contribuindo para manter a excentricidade de Berlim e também a preservar a história. Vejam alguns que fotografamos durante o cotidiano:

Trabant 601, versão Kombi. Devidamente caracterizado como o "carro da família" do bloco do leste europeu - ou o Fusca do alemão oriental.



Conhecido nosso, um VW Käfer (apelido do Fusca aqui). Esse é de fabricação alemã, e tem os vidros maiores, como deveríamos ter tido no Brasil.



Furgão IFA Barkas B1000. Comparativamente, equivale a uma Kombi em dimensões e desempenho, é movida por um motor 3 cilindros 2 tempos de 1000 cm3, praticamente igual ao dos DKW-Vemag que tivemos no Brasil.




Um belo Peugeot 404, provavelmente do fim dos anos 60, repousa na rua com alguma neve cobrindo a castigada pintura. Aqui guardar carro em garagem não é um pre-requisito, mas uma comodidade por vezes dispensável. Para alegria da ferrugem...




Opel Rekord C Caravan, 4 portas. Essa é a mãe da Opala Caravan do Brasil. A foto ficou lastimável, mas foi o que deu para conseguir no meio do trânsito...



Não é carro antigo, mas vale pela nota: só na Alemanha uma concessionária troca os pneus normais pelos de inverno e coloca um adesivo para informar ao motorista para não passar de 210 Km/h.


E como curiosidade, fotos da Alexanderplatz hoje e em 1970, retratada por uma revista sobre automóveis editada na Alemanha Oriental.


Por fim, fotos de uma estrada alemã, com seu asfalto bem mantido e sinalização impecável, num lindo dia de Sol. No próximo post eu falo um pouco sobre esse dia, e o carro da foto. Alguém adivinha qual seja?