Compartilhando o significado de ter um carro antigo... ou mais de um!

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Foi (outro) carro que passou na minha vida

A saída do Wartburg 353 azul abriu espaço para a chegada de outro à casa, só que mais antigo e diferente – um Wartburg 311, com uma história igualmente diferente.
Este carro da foto foi encontrado em um galpão, onde ficara guardado desde 1990, e com documentos perdidos. Pois é, alguém pensa porque eu decidiria comprar um carro sem documentos mas na Alemanha há um procedimento relativamente simples para recadastrar um veículo – basta ter uma declaração reconhecida em cartório onde o vendedor informa que o carro é dele mesmo, e os documentos foram perdidos; junta-se o laudo de inspeção do veículo, leva-se ao ZB (Zulassungsbehörde, órgão equivalente a uma CIRETRAN) e a seguir o veículo estará devidamente cadastrado e registrado.
Carro fotogênico, vindo de próximo de Bremen (a 350 Km de Berlim), entrega inclusa… comprei o danado, crente que daria tudo certo.
Foto do anúncio. Simpático, não?
Pois bem, junto com o carro veio uma porção de dores de cabeça. O carro não era tão charmoso assim ao vivo, mas OK, comprar pela internet dá nisso. Mas o cidadão havia esquecido de trazer a declaração a ser feita no cartório, e noa havia me falado um par de coisas, como a falta de bateria e que o carro funcionava… pero no mucho. Mas OK, carro entregue, brinquedo novo, hora de inspecioná-lo e ver o que precisa. Curiosamente, ao limpar o carro por dentro, encontro uma máquina de escrever e uma maquineta para edição de filmes 8 mm, ambos bem escondidos. Começo a pensar: carro abandonado desde 1990 na ex-Alemanha Ocidental, máquina de escrever e maquininha dos filmes escondida… seria ele um carro de algum ex-colaborador da STASI? O que tinha essa pessoa a esconder? Seja o que for, o tal carro fugitivo voltara a  Berlim Oriental, depois de anos de abandono.
Wartburg 353 e Wartburg 311, juntos por algumas horas. 
O Wartburg 311 no dia da chegada. Num sábado às 05:00 da manhã.
Para faze-lo voltar à vida, além da bateria, compro um par de outras peças, passam-se algumas semanas e depois de algumas tentativas ele funciona! Mal, mas funciona. E depois de alguns e-mails que começaram amigavelmente e terminaram quase em polícia, o vendedor me manda a tal declaração… sem reconhecimento em cartório. Procurei falar com ele algumas vezes, mas ele sumira como um ninja.


O motor, muito parecido com o do Wartburg 353, e já com a bateria instalada. 


E neste porta-malas, bem escondidos, uma máquina de escrever e uma maquininha para editar filmes 8 mm.

A máquina de escrever e a tal maquininha para edição de filmes. 

Fui então o que qualquer brasileiro faria, se no Brasil estivesse – ir a um despachante e procurar ajuda para o caso. O cidadão que me atendeu me tranquilizou, dizendo que era um caso relativamente tranquilo. (momento de soltar a vinheta “Pegadinha do Mallandro!!!”) Ledo engano, tudo foi uma bem ordenada dor de cabeça e lançamento de dinheiro pela janela. Em 20 dias, o primeiro pedido de um documento novo (formulário diferente de compra e venda)… dinheiro gasto, documento providenciado; mais 40 dias, outro documento era necessário (uma ficha técnica certificada do carro, documento caaaaro e demorado) – mais dinheiro gasto, e tal documento foi por mim providenciado. E depois de outros 40 dias, outro telefonema, onde a pessoa fala que o ZB disse que estava tudo errado e precisaria providenciar outros documentos. Daí eu cansei, solicitei os documentos de volta, paguei os honorários pelo serviço ridiculamente ruim e amador (esta é Berlim…), para depois pensar o que fazer. 


















Paralelamente, o carro continuava a demorar para ligar, falhar e soltar um mundo de fumaça (quantidade para lá de anormal). Como ele estava há muito tempo na vaga de garagem, decidi leva-lo a um estacionamento há três quarteirões de distância. Detalhes: dirigindo-o falhando, e sem documentos. Com algum planejamento, vi o trajeto menos fiscalizado, coloquei as placas do meu carro de uso nele, e “segui para o crime”, literalmente. Nessa curta volta, ele se mostrou bem confortável e também um chamariz para os transeuntes que o viram passar naquela noite de terça-feira. Ele se comportou bem até chegar ao portão do estacionamento, onde apagou e não ligou mais. Empurrei-o até uma vaga, suando e cansando para eliminar o meu sedentarismo, e lá o deixei, após retirar as placas para colocar de volta no meu carro de uso diário. Se ao menos, consegui dar uma volta com “o fugitivo”, por outro lado decidi que era melhor mandá-lo ao mecânico. Mais dinheiro gasto com guincho para ida, guincho para a volta, serviço pago… e o carro ficou pior do que o que estava, já que não ligava mais de jeito nenhum. Outro exemplo da “maravilha” dos serviços em Berlim e região.
Willy e Wartburg 311, juntos por alguns momentos. 
Wartburg 311 aguardando a coleta
Depois dessa, declarei o projeto como abortado. Desisti, e isso não é vergonha para ninguém, melhor do que insistir em um sumidouro de dinheiro, tempo  e paciência, ainda que seja um carro tão bonito e diferente. Comentei com um amigo do trabalho sobre o caso e depois de alguns dias, ele falou que um amigo se interessara em “assumer a bronca”, para salvar o carro. Já nem pensei mais no dinheiro gasto, pois o prejuízo já era fato, e como diria Tiririca, “pior que está não fica”. Numa fria tarde de domingo, meu amigo e o amigo dele (funileiro por profissão e dono de outros veículos antigos por hobby) foram lá, e depois de uma inspeção um pouco mais cuidadosa ele descobriu que o assoalho estava praticamente todo podre – o óleo de proteção ressecara há anos, deixando que a umidade não só penetrasse como se alojasse entre o assoalho e a camada de óleo, deixando caminho livre para a ferrugem prosperar. Depois de uma rápida conversa, chegamos a um valor que o novo comprador ficasse estimulado a fazer o trabalho necessário ao Wartburg fugitivo, e que eu ainda pudesse receber algum dinheiro e minimizar um pouco o prejuízo.


Sim, tirá-lo da garagem foi mesmo agitado.
Ele e carretinha
Wartburg 311 já na carretinha. O rapaz à esquerda, com cara de boneco Falcon, é o novo proprietário
Finalmente, numa sexta-feira sem chuvas, um tanto atípica para o fim de Outono berlinense, Michael chega com a carretinha e leva o pobre e conturbado fujão para o novo lar, um galpão há 30 Km de Berlim, onde passará pelo processo de ressurreição e retorno às ruas e estradas; além disso, como cidadão alemão e morador de uma cidade pequena, ele conseguirá também recadastrar o carro de maneira adequada, muito mais facilmente que eu. E assim termina a conturbada história de 5 meses entre um estrangeiro sem juízo e um carro de passado sofrido e cheio de interrogações, que passou na minha vida. Para mim, fica mais uma experiência  e outra história para contar. E para o novo proprietário e para o Wartburg fugitivo, tudo de bom e retorno próximo às ruas!

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